sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Caixa Postal



É que, às vezes,

A gente liga tanto

tanto

Mas tanto

Que o coração se cansa

E se tira do gancho

Bate, assim,

Machucado

tu

tu

tu

E mostra:

Não menos, por fim

continua ocupado.







Guto Stresser

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O Milagre da Língua


Para ler com calma

Já parou pra analisar o corpo, o contorno, a voz das palavras? Véspera, por exemplo, olha que lindo. Véspera; véspera podia ser o nome da soberana de algum feudo europeu: “Rainha Véspera”. E falando em realeza (essa é outra palavra que tem cor de ouro), existem aquelas palavras trans, que nos enganam bem direitinho. Plebe. Percebe a sonoridade? Plebe... plebe é uma palavra tão bonita que a gente esquece do significado se ousar em recitá-la continuamente.

Chávena. Sinta a harmonia dessas letras juntas. Chávena daqui, chávena de lá. O café pode ser o mesmo, mas convenhamos que fica mais saboroso numa chávena do que em qualquer xícara. Xícara é esquisito. Fale algumas vezes para perceber. Xícara. Xí-ca-ra. Xícara. Xícra. Chica.

Compasso, abraço, tropeço, mormaço... Essa malemolência a cada fim da sílaba parece uma cobra sonolenta, com o guisado bem preguiçoso. Uma cobra com ssssssssssono.

E aquelas, então, que a gente só encontra num pé-de-serra, num terreiro, num sítio, num sertão-de-Nordeste-qualquer? Painho, macaxera, jacutinga, jabuti. Açaí, temporão, bocó, oxalá. Drumir, avoar, ficar a tarde inteira de varde. Ansiar com alguma coisa, ficar aperriado com outra. Uma arretação sem fim.

Oblíquo: essa palavra por si só é oblíqua, curvilínea, voluptuosa; parece dura no começo, mas se a gente fica mastigando logo escorre do canto da boca.

Oblíquo, oblíquo, o b

l

i

q u

o.

Nau, estibordo. Caravela, açude, cais (essa em especial). Há sempre um bocado de mar nas palavras, porque as letras guardam há milênios, em segredo, as amarras do horizontal. Cais. Uma fortaleza de nome. “O cais”.

Renda. Novelo. Carretel: Há aquelas que transformam o proferir em tecer. É como se estivéssemos costurando os pensamentos para no final desenrolar uma manta, um lençol, um abraço. Algo que nos complete. Como fazem os melhores alfaiates, a nossa boca estará sempre afiada para os melhores cortes. E é costurando palavras, de traço em traço, que brota o milagre da língua. Eis o mistério.

Guto Stresser