quarta-feira, 27 de abril de 2011

Tiro ao Alvo.

- Vamos fazer um trato? Eu te dou tudo. Dou-te minhas calças, aquele resto de massa de tomate na geladeira, a ração do Bob, as revistas adultas que estão no banheiro, meus saldos bancários, a gravata italiana, o pedaço de pizza no micro-ondas, meu bom humor, meu mau-humor, quantos maços de cigarros quiser. – eu tremia enquanto ele sustentava certa tolerância – Te dou meu piano, minha coleção de LPs, minhas listas telefônicas, meus softwares, meus artigos de luxo, meus artigos de lixo, meus artigos de qualquer coisa. Dou-te tudo o que já fiz e o que conquistei. Quer minhas ex-namoradas? Todas para ti. Tudo. Quer mais? Dou-te aquela sanfona que era do vô. Dou-te o álbum da Copa de 94, os óculos que trouxe da França, o roupão azul, as apostilas da faculdade, aquele abajour da casa da mãe, as fitas do Senhor do Bonfim. Mirra, incenso e madrepérola. Pode ser? Entrego tudo. Entrego com juro, correção monetária, câmbio de capital. Entrego no boleto e pago suas contas de água, boca de fumo, luz, fiança, telefone, fome, esperança, vida...

- Vida também? – fui interrompido.

- Não sei, mas posso te dar conselhos. – mistura de medo e lábia.

- Seja breve. – ele coçou o queixo machucado e agora me fitava com cara de cambista.

- Viver, às vezes me dá certo enjôo por saber que nem sempre posso, nem sempre consigo, nem sempre entendo, nem sempre danço conforme a música. Nem sempre a música me toca, nem sempre o maestro me rege, nem sempre consigo seduzir e ser seduzido. Que tal procurar a freqüência em outra intensidade? Que tal buscar a felicidade debaixo do banco da praça onde durmo? Parece ser mais fútil do que tudo o que digo, mas aquele chiclete que repousa ali um dia pôde ter sido a felicidade efêmera e doce de uma criança. Que tal pagar pelo preço da infância, do abraço e da vitória recebendo-os quando menos esperar? E se você me matasse agora, o que ganharia? Você não precisa findar o ciclo terrestre de alguém para ser feliz. Antes disso, finde o modo com o qual procuras seu triunfo pútrido e depois, quando menos esperar... Ah, espero que tenha entendido – Tufff. Meu coração parou num instante que parecia ser eterno, respirei fundo e tudo se calou.

- Deus te abençoe. - o bandido me olhou como ninguém havia olhado antes, atirou e foi-se a correr.






Guto Stresser